O hiperadrenocorticismo é uma patologia endócrina causada pelo excesso de cortisol e outras hormonas esteróides em circulação no sangue. Trata-se da doença endócrina mais comum em cães, afetando maioritariamente animais com idade superior a quatro anos, sendo mais prevalente em animais geriátricos (acima de sete anos).

As hormonas esteróides são produzidas nas glândulas adrenais (localizadas junto aos rins), sob a influência da hormona ACTH, secretada na hipófise (pequena glândula localizada na base do cérebro). Têm como funções no organismo: regular a pressão sanguínea, a função cardiovascular, e a degradação das proteínas, carbohidratos e gorduras. 

O excesso de hormonas esteróides no sangue pode ser devida a distúrbios na hipófise, na glândula adrenal ou pode ser iatrogénica (através da administração exógena de esteróides) 

 

Tipos de Hiperadrenocosticismo

Distinguem-se desta forma três tipos de Síndrome de Cushing:

Hiperadrenocorticismo Hipofisário Dependente (HHD) (resultante da patologia da hipófise)

É a forma mais comum de Síndrome de Cushing, representando cerca de 80% dos casos. Na maioria das situações há desenvolvimento de um tumor hipofisário, secretor de ACTH. O excesso de secreção desta hormona leva a uma hiperestimulação das glândulas adrenais, o que resulta num aumento de secreção de hormonas esteróides. Embora se trate de um tumor, é geralmente benigno. 

Hiperadrenocorticismo Adrenal (HA)

É a segunda forma mais frequente de Síndrome de Cushing, geralmente associada a tumores da glândula adrenal unilaterais (benignos ou malignos), que levam a um aumento da produção de hormonas esteróides.

Hiperadrenocorticismo Iatrogénico

Decorre da administração excessiva e/ou prolongada de corticoesteróides, resultando numa atrofia das glândulas adrenais.

 

Sinais Clínicos

Os sinais decorrentes do Síndrome de Cushing são de evolução lenta, pelo que os proprietários poderão notar alguma diferença no seu animal, mas atribuí-la à idade. Alguns dos sinais mais característicos e mais frequentemente reportados incluem:

– Polidipsia (aumento da ingestão de água) e poliúria (aumento do volume de urina); 

– Alteração da conformação do abdómen: torna-se pendular, com um aspeto em barril, resultante da debilidade dos músculos abdominais, da maior deposição de gordura na região lombar, assim como do aumento do tamanho do fígado;

– Alterações cutâneas: atrofia, alopécia (zona de escassez de pelagem) bilateral e simétrica, de aparecimento gradual, sem causar prurido, perda da elasticidade cutânea e melhor visualização dos vasos sanguíneos, aparecimento de comedões (pontos negros);

– Alterações na ingestão de alimento, com o aumento descontrolado do apetite (polifagia) e aumento de peso;

– Perda de massa muscular, maior debilidade e menor atividade;

– Alterações reprodutivas: atrofia testicular em machos e anestro em fêmeas (período de inatividade sexual, onde a cadela não manifesta o cio);

– Desenvolvimento de outras patologias endócrinas, nomeadamente a Diabetes Mellitus, uma vez que o cortisol favorece a resistência à insulina (hormona responsável pela diminuição da glicose a nível sanguíneo), assim como de infecções urinárias.

– Alterações neurológicas nos casos de HPD, pelo crescimento do tumor hipofisário e consequente compressão das estruturas adjacentes.

 

Diagnóstico

O diagnóstico definitivo do Síndrome de Cushing é feito com recurso a testes de funcionalidade, onde se testa a função das glândulas adrenais. 

Antes de partir para estes testes mais específicos, o médico veterinário suspeita de Hiperadrenocorticismo pela história clínica do animal, exame físico e exames complementares de rotina: hemograma, bioquímica sérica, análise urinária e ecografia.

A nível de análises sanguíneas, o Hiperadrenocorticismo caracteriza-se pela diminuição de glóbulos brancos, hipercolesterolemia e hiperglicemia, assim como um aumento muito marcado da enzima hepática Fosfatase Alcalina. Uma vez que o animal ingere mais água, a urina torna-se mais diluída, revelando por isso uma urina com densidades baixas, na análise urinária.

A radiografia abdominal poderá evidenciar um fígado de tamanho aumentado, resultado da deposição de gorduras. A ecografia abdominal deve incidir particularmente nas glândulas adrenais, podendo evidenciar um aumento de tamanho uni ou bilateral ou mesmo uma atrofia, o que poderá indicar qual dos tipos de Cushing o animal tem, no entanto, as glândulas adrenais nem sempre são de fácil visualização. 

Os testes funcionais, mais específicos para o diagnóstico do Hiperadrenocorticismo, dividem-se em testes de screening, que permitem confirmar a suspeita de Cushing e testes que permitem diferenciar o tipo de Cushing que o animal apresenta. Estes consistem na recolha de sangue antes e depois da administração de compostos que vão estimular ou suprimir a secreção de cortisol, sendo este medido em várias alturas do dia. Os testes de screening permitem saber se os valores obtidos são consistentes ou não consistentes com o diagnóstico de Hiperadrenocorticismo. Em caso afirmativo, poder-se-ão efectuar os testes de diferenciação, que orientam o médico veterinário para o tipo de patologia encontrado.

Ainda, após a confirmação da existência de Hiperadrenocorticismo e uma vez que a maior parte dos casos são devidos à presença de massas hipofisárias ou adrenais, assume especial importância o estudo imagiológico avançado. É neste ponto do diagnóstico que se pode recorrer a métodos como a Tomografia Axial Computorizada (TAC) ou a Ressonância Magnética (RM), que permitem uma melhor localização a lesão, assim como averiguar a sua extensão. 

A TAC, sendo um método de diagnóstico mais acessível e sendo um exame relativamente rápido, possui um grande valor diagnóstico para avaliar a extensão dos tumores hipofisários em cães com Hiperadrenocorticismo, assim como nos permite uma melhor avaliação das glândulas adrenais, comparando o tamanho, verificando a invasão de vasos sanguíneos, e ao mesmo tempo, a pesquisa de focos tumorais noutros órgãos (metástases). 

 

Tratamento

Nos dias de hoje, existem várias opções para o tratamento do Cushing canino, cabendo ao médico veterinário em conjunto com o proprietário, a decisão de qual tratamento se deve instituir. É importante considerar o estado geral do animal, o tipo de Hiperadrenocorticismo presente, as doenças concomitantes, a disponibilidade do proprietário e os efeitos secundários que poderão advir do tratamento.

Os cães que apresentam apenas sinais leves (aumento da enzima hepática, aumento do tamanho do fígado) poderão não necessitar de tratamento, mas devem ser monitorizados quanto à progressão dos sinais clínicos.

De uma forma simplista, existem duas opções terapêuticas: a remoção cirúrgica das massas tumorais e o tratamento médico, de forma a controlar os sinais clínicos.

No que diz respeito a massas presentes na glândula adrenal (Hiperadrenocorticismo Adrenal), a excisão cirúrgica é o método de eleição. Não obstante, é necessário um estudo imagiológico prévio, de forma a verificar o tamanho da massa assim como a presença de lesões metastásicas ou invasão dos vasos circundantes. Se estes dois parâmetros se verificarem, ou se o animal for considerado como tendo um risco anestésico elevado, deve optar-se pelo tratamento médico.

Quanto às massas na hipófise (Hiperadrenocorticismo hipofisário), uma vez que possuem uma localização mais complicada em termos de acesso cirúrgico, assim como se trata de uma cirurgia mais exigente em termos de técnica e experiência do cirurgião, opta-se pelo tratamento médico.

O tratamento médico consiste na administração de um composto oral que inibe a síntese do cortisol, diminuindo desta forma os efeitos que a sua acumulação em excesso têm no organismo do animal.

Independentemente do método de tratamento selecionado, o proprietário tem de estar consciente de que todos possuem efeitos secundários, são dispendiosos, requerem uma monitorização periódica e uma boa colaboração da parte dos proprietários para obter uma resposta satisfatória.

Os efeitos secundários da terapia médica podem incluir letargia, vómitos, alterações no balanço de iões e hipoadrenocorticismo, pela supressão exagerada do cortisol, pelo que são necessárias várias avaliações para um acerto na dose terapêutica para cada animal.

 

Prognóstico

O prognóstico para os animais diagnosticados e tratados para o Síndrome de Cushing é favorável a bom, quando se consegue a recessão completa da massa adrenal, não apresentando o animal sinais de disseminação do tumor, e quando se consegue um bom controlo médico. Já animais com sinais de metastização têm um pior prognóstico.

 

Texto escrito e editado por Vânia Evaristo